Objetos editoriais e sua produção

Leticia Tizioto
3 min readDec 17, 2020

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Configura-se como objeto editorial tudo aquilo que supõe uma cadeia criativa e uma cadeia produtiva. Ou seja, o objeto editorial é uma formalização material de uma síntese de valor sígnico.

Pois então: como damos forma à essa materialidade?

Nós, leitores, somos todos os participantes da construção e participação de um illusio — ou seja, de um jogo que é aderido — e que atribui valor e faz pulsar um campo específico.

Assim, consideramos que o texto só se constitui numa certa relação com a língua, exigindo um modo de operar com a língua e um modo de textualizar, marcando um processo o qual chamamos de enunciação. É no encontro que o texto se desdobra.

A língua não tem sentido quando não estamos em relação, pois ela existe no ato enunciativo, no momento em que é enunciado e colocada num contexto. Vê-se assim, que não se pode separar texto e contexto, o que poderíamos denominar, respectivamente, como conteúdo e forma. Essas dicotomias juntas é que constróem o sentido. Logo, o que determina o valor de um discurso é a sua formação discursiva.

É fácil entender isso ao pensarmos, por exemplo, em como o termo “liberdade de expressão” pode existir com sentidos diferentes dependendo do contexto em que é enunciado. Imaginando tal termo sendo dito por um grupo (1) cujo discurso é o de que a escola cumpre o papel adequado de ensinar deixando ideologias e posicionamentos políticos evidentes — grupo esse que provavelmente se filiaria ao movimento #escolasemmordaça — , entendemos que para tal sujeito (do grupo 1), alunos estarem inseridos numa escola que se entende como um lugar de debate de questões políticas é de fato, possuir essa liberdade de expressão. Entretanto, um outro grupo (2) — que poderiamos considerar como fazendo parte da posição #escolasempartido — pode usar a frase “liberdade de expressão” para indicar que permitir o debate político entre professores e alunos é uma forma de doutrinação, logo, liberdade de expressão seria deixar o aluno refletir sozinho ou apenas com sua família.

Diante dessa ilustração é possível entender que o texto é um elemento historicamente situado, socialmente delimitado e intersubjetivamente estabelecido, emergindo de uma condição de produção que atribui valores específicos ao discurso. Da mesma maneira se manifesta o objeto editorial: como um objeto que é vetor de sensibilidade e que, consequentemente, nunca é neutro.

Veicular uma oração num folheto de missa ou uma oração numa página de humor na internet, ecoa sentidos distintos. Percebe?

Isso fica mais elucidativo quando entendemos o conceito de cenas da enunciação, lugar em que o discurso de fato ganha sua materialidade. Quando olhamos para o tipo de discurso, estamos entendendo a Cena Englobante. Já na Cena Genérica, entendemos o regime de textualização do que está sendo enunciado, ou seja, as normas que delimitam um contexto de comunicação. Por fim, é necessário compreender a Cenografia, que são as possibilidades e feições do texto sendo enunciado. A fim de tornar tal teoria mais palpável, pode-se pensar num discurso religioso como a Cena Englobante, uma missa católica ou um culto pentecostal como a Cena Genérica e por fim as características de textualização como palmas, banda, canto gregoriano, etc como a Cenografia.

O discurso é de fato algo que necessita de reflexão. Mais opaco ainda pode ser um objeto editorial: não se deve olhar apenas como “um livro”, mas sim como um quadro cênico, complexo que está submetido a coerções e produções que podem ser validadas ou não.

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